sábado, 23 de fevereiro de 2013

A Nova Albânia: as políticas ateístas de Enver Hoxha e sua importância para a transição socialista

Após a Segunda Guerra Mundial, a Albânia esteve sob um governo comunista que durou por vários anos, e muitas políticas foram adotadas pelo povo e pelo governo para divulgar o materialismo científico. Uma dessas foi a eliminação da religião da esfera pública e social, conquistada por meio de um pioneirismo peculiar na adoção do ateísmo de Estado, que guiaria o país a voltar para si mesmo, rejeitando o imperialismo e a imposição religiosa estrangeira. Este artigo busca explicar as medidas ateístas adotadas por Enver Hoxha em seus anos de governo, e como elas foram importantes na valorização do povo albanês para que a revolução pudesse triunfar da maneira mais adequada.  

A NOVA ALBÂNIA 

Enver Hoxha foi um pioneiro no campo do ateísmo de Estado, em um período em que a religião desenvolveu um forte papel inclusive na União Soviética. A Segunda Guerra Mundial dilacerou sentimentos por todo um planeta, onde não se via mais razão para viver em países avassalados pelos conflitos. É possível atribuir à religião, neste período, um papel primordial para “confortar” corações sem esperanças num período ainda desconhecido, sem nem mesmo previsões econômicas.
É nesta situação que surge o desafio para Hoxha e para toda a Albânia, uma nação localizada numa região tradicionalmente palco de disputas entre o cristianismo e o islamismo, e que sofrera invasões por parte de potências da Guerra nos anos anteriores. A Albânia sempre passou por circunstâncias religiosas peculiares, e o primeiro passo para entender as políticas hoxhaístas é descrever sua situação no período monárquico.

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Even Hoxha, líder da Albânia socialista.

Durante a monarquia, as religiões estiveram sob o poder do Estado, que mantinha relações com as Igrejas. Algumas até adotaram, no âmbito do direito, singularidades, com destaque para o rompimento do Congresso Muçulmano de Tirana com o Califado Islâmico, o que ocasionou a proibição do uso obrigatório do véu hijab e o estabelecimento de novas preces. 

No ano de 1930, todos os albaneses se identificaram com alguma religião, sendo 70% da população pertencente à religião muçulmana, e os demais 30% pertencentes ao cristianismo. As mudanças estatísticas não ocorreriam nos próximos anos, mas é possível constatar uma mudança da abordagem religiosa nos jornais e pelo governo. Os primeiros indícios disso vêm com a defesa, por parte de periódicos, da rejeição de nomes cristãos e muçulmanos, elegendo uma predileção para com nomes albaneses, como Afërdita, Besjana, Marigona e Korab. As tendências se expandiram com a adoção de slogans públicos defendendo uma prática chamada de Albanismo, cujo patriarca era o rei Zogu, considerado o Shpëtimtari i Atdheut (Salvador da Pátria). Outras medidas semelhantes foram o uso de autoridades públicas como missionários e a adoção de um peculiar secularismo, onde a influência religiosa foi retirada das escolas e os símbolos sagrados da Albânia passam a ser o brasão e a bandeira nacionais.

Após a breve invasão e anexação pela Itália, seguida de uma invasão controladora pela Alemanha, a Albânia estava, assim como os demais países europeus, em uma grave situação social e econômica. A resistência mantida pelos comunistas albaneses deu a eles o poder após a rendição alemã, e uma nova página na história do país seria escrita a partir de então.

Com a adoção de um cordão de isolamento do Ocidente, a Albânia voltou-se para si mesma e permitiu que, nos próximos anos, pudesse guiar-se com independência e adaptação às condições do país, começando pela quebra abrupta da classe média e dos grandes fazendeiros. O mais importante dessa quebra seria o abandono total da religião, política escolhida por Hoxha nos anos seguintes à sua ascensão ao poder e o destaque deste texto.

O cristianismo e o islamismo, originalmente não pertencentes à Albânia enquanto território originário, foram considerados, junto com as demais religiões, uma imposição estrangeira. Essa imposição estrangeira pode ser entendida como um controle exterior, pautados num Estado ou Instituição Religiosa Jurídica, como o Vaticano ou o Califado Islâmico. Seguindo essa orientação, a Reforma Agrária de 1946 nacionalizou todos os bens religiosos, e devolveu ao exterior a manutenção de sua própria religião, com a expulsão de religiosos vindos de outros países. Esse foi o primeiro passo em direção ao “olho para a Albânia”, necessário para reconstruir um país arrasado por uma guerra e duas invasões consecutivas de poderes fascistas. Outras instituições, com sede única fora da Albânia — podemos citar, como exemplo, os jesuítas — foram proibidas de funcionarem dentro do país, uma tentativa de sucesso na eliminação do imperialismo religioso.

O segundo passo, mais forte e necessário em qualquer país que queira ser digno de laicidade, foi a proibição da educação religiosa para jovens, uma província exclusiva do Estado e da coletividade. Como deve ser feito em todo Estado socialista, ordens religiosas foram cominadas por possuírem propriedades, imóveis e instituições de bem-estar social, assim como hospitais e sociedades filantrópicas. Essa medida foi implantada com claros objetivos de evitar a associação religião-filantropia, relegando dessas sociedades civis o papel que é exclusivo do Estado e da coletividade: a educação e a assistência social. A organização religiosa na Albânia foi diminuída ao último de seus sustentáculos, com o objetivo de espantar do povo seu próprio ópio. Hoxha, na década de 1940, deu os primeiros passos para uma Albânia ateia, permitindo a existência de uma renovação nos quadros nacionais e culturais, dando ao povo a verdadeira auréola da racionalidade ateísta no âmbito social.

Na década de 1960, vemos certa inovação na maneira de conduzir as políticas antirreligiosas, apresentadas sob vieses modernizadores e mais ativos. Até o ano de 1967, todas as igrejas, monastérios, mesquitas, tekkes e instituições religiosas foram fechadas e transformadas em edifícios seculares, de maneira semelhante ao que foi aplicado na União Soviética nos anos subsequentes à revolução de 1917. É possível notar o começo de uma nova política de ateísmo estatal na Albânia, dada de forma mais atuante e sistemática que aquela da década de 1940, de caráter mais emergencial.

A nova Albânia teve seu grande crescimento ateu neste período. O governo albanês, com o apoio da população e principalmente da juventude, conseguiu criar a primeira nação ateísta de todo o mundo, mesmo com a revolução em desenvolvimento em toda a Europa Oriental e em partes da Ásia e da África. A ação excepcional de Hoxha neste campo permitiu que um novo horizonte cultural e racional se desenvolvesse naquela que um dia já foi uma nação 100% religiosa e confessional. Esse processo ocorreu, em grande parte, por causa da política embrionária do rei Zogu em influenciar o albanismo, buscando levar o povo da Albânia a crer em si mesmo, em seu potencial e sua independência em relação ao imperialismo religioso. De maneira mais eficiente e ativa que Zogu, Hoxha desenvolveu essas peculiaridades albanesas do século XX, que não podem ser encontradas em outra nação na mesma época. Foi um destino pré-traçado na monarquia, que agora teve seu auge. A década de 1960 abriu os caminhos para uma transformação futura, que ocorreria em 1976, com a inauguração de uma nova constituição para o país.

O final da década de 1970 simbolizou uma abordagem mais jurídica da questão, com a adoção da Constituição de 1976 e do Código Penal de 1977 no país. Em 1976, a Constituição Albanesa aborda explicitamente que “O Estado não reconhece religião alguma, e apoia a propaganda ateísta para implantar uma visão de mundo científico-materialista no povo”, uma admissão clara do ateísmo de Estado. Portanto, para levar ao povo o materialismo dialético, de acordo com as premissas da revolução na Albânia, a propaganda ateísta foi um dos principais pontos da política antirreligiosa de Hoxha, aplicada com sucesso desde o início da década de 1960 e de forma embrionária nas décadas de 1920, 1930 e 1940. Na abordagem cominatória, o Estado também punia a propaganda e atos públicos religiosos por meio do Código Penal de 1977.

Não pode ser esquecido o fato de que as ações a nível social e cultural não foram esquecidas pelo governo neste período, sendo também um sucesso nas tentativas de eliminar a religião dessas esferas. Partindo das premissas de implantação do materialismo e do secularismo na Albânia, o Estado mudou o nome de cidades que faziam referência a nomes religiosos, substituindo-as por nomes legitimamente albaneses, o que deu uma cara nacional ao materialismo. Nomes pessoais e de locais que não estavam em consonância com o desejo da classe, isso é, a ideologia do Estado, principalmente aqueles religiosos, foram alterados, para o bem da construção da revolução albanesa. Uma ação destacável é a não proibição e não restrição de alimentos proibidos pelas religiões nas escolas e nos ambientes de trabalho, distribuindo carnes e laticínios mesmo em períodos de resguardo religioso, como o Ramadão. Essa forma de ação também serviu para denunciar muitas pessoas que seguiam cultos religiosos em segredo, ameaçando o materialismo e a integridade do Estado e do povo albanês, que estava vivenciando um novo momento em suas vidas.

Assim, é constatável o novo momento cultural albanês, onde uma moral proletária foi realmente atingida em detrimento de culturas religiosas que remontam a tempos negros na história da Albânia, em especial num período de guerras, contradições e luta de classes. Apesar de ser uma ação não exclusiva, a peculiaridade em lidar com o assunto fez de Hoxha um exímio estadista ateu, influenciado por algumas políticas antigas, agindo tendo sempre em mente o povo albanês e a necessidade da conservação de seu cordão de isolamento em relação ao imperialismo e ao Ocidente, que ameaçavam a construção de um Estado do povo numa Europa que já se encontrava fragilizada pela Segunda Guerra Mundial.

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Apesar de algumas pequenas arbitrariedades que nem sempre deram um tom democrático às ações, o Estado albanês conseguiu conduzir todo esse processo de transformação com uma interessante política de conservação da cultura nacional e proletária, sempre preconizando o materialismo científico e a necessidade de sua implantação em um Estado socialista, para que a revolução pudesse triunfar de fato. Deve-se sempre observar com cuidado os processos ateístas históricos que perpassaram pela História da Albânia, desde a resistência comunista até a morte de Hoxha, para que seja possível entender como ela permitiu a edificação do país e a sua melhoria em relação aos períodos anteriores ao socialismo hoxhaísta.

Como já é de se esperar quando um grande líder deixa o poder, a morte de Hoxha trouxe um fim drástico à busca por um país materialista, com as políticas permissivas e temporãs de Ramiz Alia. Possivelmente, caso as políticas tivessem sido mantidas, seria possível ver hoje uma Albânia banhada por excelência intelectual e consciência popular, pautadas no materialismo científico e na sabedoria proletária, livres de pensamentos que vêm de períodos turvos e negros da história, com claras referências à metafísica, o que é visível hoje em dia em várias sociedades novas e primitivas, desenvolvidas e subdesenvolvidas, industrializadas e arcaicas. Temos muito a aprender com a Albânia, e principalmente com o que Hoxha e o povo albanês realizaram em um período de quatro décadas. A excelência do povo albanês fez com que se quase chegasse a um ponto louvável, não fosse por má condução política de líderes posteriores a Hoxha. As lições do materialismo científico estão disponíveis para todos, e cabe a todos os líderes dos Estados seguirem tais posições, a fim de realizar uma política voltada para ela própria, refletindo nos desejos do povo e do proletariado enquanto conscientizados cientificamente.

- Caio Jardim Sousa