quinta-feira, 8 de maio de 2014

O nacionalismo e as pautas nacionalistas no Brasil.

O texto a seguir foi escrito pelo colunista Victor Bellizia, em uma análise acerca do nacionalismo e suas expressões ideológicas, além de analisar historicamente a presença das pautas nacionalistas nas lutas do povo brasileiro, assim como nas lutas que empreendiam a esquerda revolucionária brasileira. Boa leitura!


O nacionalismo é, resumidamente, o sentimento de devoção e dedicação, disposição e respeito à nação, não somente ao povo que a constituí, mas a toda a instituição nacional e o denominado Estado nacional. O nacionalismo influencia diretamente na política das nações do mundo; de forma geral, se expressa como nacionalista um governo ou Estado cujo luta sempre em defesa dos interesses nacionais, da nação e dos povos que a forma.



As expressões ideológicas do Nacionalismo: o nacionalismo burguês e o nacionalismo antiimperialista-revolucionário



O Nacionalismo se expressa de duas formas ideológicas antagônicas: o nacionalismo das grandes potências e o nacionalismo das nações exploradas. Ambas as formas ideológicas do nacionalismo têm as mesmas características: se expressa na luta pela defesa dos interesses da nação. Entretanto, na forma do nacionalismo das grandes potências, o chamado nacionalismo burguês, esse sentimento e essa política de luta pelos interesses da nação é utilizado como justificativa ideológica para espoliar, dominar e controlar os outros povos e as nações menos desenvolvidas economicamente.  Para o caso das grandes potências, o nacionalismo burguês é um empecilho ideológico para a luta internacional antiimperialista; nesse termo, é uma ideologia que merece ser esmagada, por todas as forças, enquanto houver o capital estrangeiro dominando os povos do mundo. Exemplos de regimes nacionalistas burgueses, regado de sentimento de superioridade étnica e de ufanismo e chauvinismo, foram: o fascismo italiano de Mussolini e o regime nazista de Adolf Hitler. Ambos eram nacionalismos burgueses e seu conteúdo era reacionário porque era nacionalismo de grandes potências e imperialistas. Nesses dois casos, o nacionalismo só poderia ser burguês, chauvinista e ufanista, para justificar e intensificar a marcha contra outros países imperialistas (para definir quem controlaria mais os povos do mundo). Outro exemplo atual é o nacionalismo norte-americano, que é um nacionalismo estritamente burguês, que se expressa como ideologia somente para respaldar as guerras imperialistas que os Estados Unidos sustentam pelo mundo, além de ser utilizado para justificar a dominação das nações menos desenvolvidas (como o próprio Brasil e a América Latina) pelos Estados Unidos.


Em contrapartida, o nacionalismo das nações controladas e dominadas, o chamado nacionalismo revolucionário ou nacionalismo antiimperialista, vem para contrariar as concepções ufanistas e chauvinistas do nacionalismo burguês.
O nacionalismo revolucionário surge quando o imperialismo passa a dominar e explorar sem a mínima cerimônia uma nação pouco desenvolvida economicamente, com uma indústria frágil e sem muito desenvolvimento de sua burguesia nacional. Quando essa dominação, opressão e exploração se tornam sufocadora, o imperialismo (que é movido pelo nacionalismo burguês) passa automaticamente a anular e negar todos os interesses nacionais da nação explorada, ou seja, passa a negar a este povo o direito de ser uma nação; passa a negar o direito a poder e soberania nacional. É exatamente nesse momento que o sentimento nacionalista e patriótico, nessa nação, passa a ser muito mais presente e de forma revolucionária: o nacionalismo nesse caso passa a ir contra o imperialismo e entende que isso só é possível com um enfrentamento direto; ele passa a ir contra o nacionalismo burguês e, por isso, passa a ser antiimperialista revolucionário.
O nacionalismo antiimperialista é revolucionário porque busca, por meio de uma luta nacional, derrubar a dominação imperialista (ou de uma única nação imperialista) sob determinada nação menos desenvolvida – ou seja, o nacionalismo antiimperialista vai de encontro e diretamente contra o nacionalismo burguês, ele busca o direito de um povo a sua soberania nacional.

A luta nacionalista revolucionária contra a dominação imperialista foi historicamente vitoriosa e poderosa sob uma óptica antiimperialista. As revoluções da China, Vietnã, Coréia, Argélia, Moçambique, Angola, Cuba e ademais, foram revoluções nacionalistas ou movidas incessantemente por um sentimento patriótico e nacionalista revolucionário (porque eram nações totalmente dominadas e saqueadas por uma força imperialista), e impuseram duros golpes ao imperialismo da época. Algumas dessas nações inclusive, após expulsarem o imperialismo das entranhas da nação e construírem uma pátria politicamente livre, se consolidaram socialistas em seguida, mas sem abandonar o sentimento nacionalista e patriótico, sendo estes poderosos instrumentos de defesa dos interesses da pátria nos momentos de tensão militar contra o imperialismo (como a Invasão da Baía dos Porcos, em Cuba).

Temos também as lutas nacionalistas que não triunfaram em revolução, mas ainda sim perturbaram os interesses do imperialismo, lutas contra o nacionalismo burguês. O Partido dos Panteras Negras pela Autodefesa foi um Partido negro que exaltava a cultura africana, as características étnicas do povo negro que vivia nos Estados Unidos, se caracterizando nacionalistas, enquanto eram revolucionários pois eram socialistas, portanto, antiimperialistas e de encontro com o nacionalismo burguês (segundo o próprio Huey Newton, co-fundador dos Panteras Negras). Não somente, as lutas por libertação nacional da Palestina, Iraque e todos os países massacrados pelos Estados de Israel e Estados Unidos no oriente médio são lutas nacionalistas, pautadas no nacionalismo.

A história do nacionalismo brasileiro: as pautas nacionalistas no Brasil (1930-1964)

Antes de qualquer resenha ser feita sobre a história do nacionalismo brasileiro e das pautas historicamente nacionalistas de nossa pátria, há de entender, de uma vez por todas, à força, que o nacionalismo se expressa politicamente, e somente assim, pela defesa dos interesses nacionais a todo custo – excluindo, portanto, o governo militar de 64 e os ademais que traíram o Brasil e o povo brasileiro em conluio com o imperialismo norte-americano.

O nacionalismo no Brasil trás consigo uma imensa carga histórica antiimperialista, assim como é visto por setores da esquerda de forma extremamente negativa. É visto de forma negativa não pelo conteúdo real do nacionalismo no Brasil, mas por ter sido o termo “nacionalismo” usado [sem nenhum conteúdo prático verdadeiramente nacionalista] para sustentar politicamente governos antinacionais e vende-pátria.

Muitas das pautas progressistas de nossa história, assim como os movimentos populares, tinham imagem e reivindicações nacionalistas. A campanha pelo monopólio estatal do petróleo, as reformas de base de Jango, a campanha por não assinar os acordos-militares com os Estados Unidos, a campanha contra a FMI, a campanha pelo não pagamento da dívida externa e controle das remessas de lucros para o capital estrangeiro: são todas essas pautas nacionalistas de nossa história! Ser chamado de nacionalista nesse momento da história do Brasil era ser considerado semelhantemente de esquerda, ser reconhecido como um indivíduo que visava à libertação da sua nação e do seu povo frente à dominação do capital estrangeiro.

Mas, as pautas nacionalistas brasileiras não se limitaram a campanhas populares, mas também a movimentos revolucionários antes mesmo da ditadura militar de 64. Os movimentos revolucionários da história do Brasil, tanto quanto na América Latina, levantavam bem alto a bandeira do patriotismo e nacionalismo revolucionário. A Aliança Nacional Libertadora (ANL), dentre 1935 e 1937, foi uma organização revolucionária que pautava reivindicações nacionalistas. A ANL era alinhada com o PCB (Partido Comunista do Brasil) e durante seu tempo de atuação, pautou a revolução nacional-libertadora (uma revolução por suas pautas, nacionalista). 

Levante de 35 iniciado em Olinda (PE).
Entre suas ações e agitações na sociedade brasileira, a ALN, em 1935, junto com o alas e setores verdadeiramente nacionalistas do Exército Brasileiro, tentou tomar o poder no Brasil por meio de uma ação militar (conhecida como “Levante Vermelho de 35” ou, como fora apelidado pejorativamente: “Intentona Comunista”) e reivindicava a nacionalização do capital estrangeiro empregado no Brasil, à reforma agrária e a proteção para os pequenos e médios proprietários e conquistar o poder com um Governo nacional e popular. Contando com apoio militar de setores nacionalistas do Exército Brasileiro, os militares de baixa patente e os revolucionários da ANL, nessa ocasião, organizaram um Levante dentro do Exército, com pautas que colocariam em xeque o poder do imperialismo norte-americano sob o Brasil e dariam soberania nacional e autodeterminação ao povo brasileiro, ou seja, pautas nacionalistas e revolucionárias.

Assim prosseguiu a marcha dos movimentos revolucionários no Brasil, sempre em conjunto com as pautas nacionalistas, até 1961, quando chega ao governo João Goulart, visto como um presidente progressista pela esquerda – automaticamente, alinhado com as pautas nacionalistas da época.

Reivindicações nacionalistas e João Goulart

Quando João Goulart chega ao poder em 1961, propõe algumas reformas na sociedade brasileira, conhecidas como “reformas de base”. As reformas de base, uma das pautas nacionalistas da história do Brasil, mobilizaram todo o país à seu favor, pois como foi dito, era uma pauta nacionalista que transferiria um poderoso golpe no imperialismo norte-americano, daria maior soberania nacional ao Brasil e ao povo brasileiro.

Quando se propõe as reformas de base, o imperialismo norte-americano e a elite latifundiária brasileira, forças que dominavam e ainda dominam o Brasil, obviamente não aceitaram as reformas e mobilizam um golpe de Estado. Por influência e financiamento deste imperialismo norte-americano, com conluio com a elite brasileira que mais traí seu povo (o latifúndio), conquistou apoio do alto escalão reacionário e traidor do Exército Brasileiro e, assim, empreenderam um golpe de Estado no governo democrático de Jango, que preferiu fugir do que resistir. É nesse momento da história que o termo “nacionalismo” passará a ser falsamente pregado por setores reacionários do Brasil.

A Ditadura Militar e o falso nacionalismo

Nesse momento, o termo “nacionalismo” foi utilizado pelo grande escalão do Exército para conquistar as bases do Exército que tinham ideias mais progressistas e nacionalistas, pois se tinha o receio de que alguns batalhões do Exército fossem contra o golpe e resistissem contra o alto escalão fascista do Exército pelo passado de revoltas dentro do Exército (como o próprio Levante de 35). Mesmo com o Alto Escalão do Exército utilizando os termos nacionalismo para conquistar essas bases, vários batalhões verdadeiramente patrióticos e progressistas do Exército não participaram do golpe e, contrário ao golpe, se mostraram dispostos a resistir militarmente caso assim quisesse o então presidente Jango, que preferiu fugir.

Após dar o golpe de Estado e vender a soberania nacional do Brasil para os Estados Unidos, o Governo militar continua se apoiando falsamente no termo “nacionalismo” para que o Exército continuasse apoiando o regime. O regime militar de 1964, que somente se apoiou ao termo nacionalismo para ter apoio dos setores do Exército Brasileiro, na verdade vendia cada vez mais a soberania e a pátria brasileira – ou seja, nunca, em nenhum momento, foi um regime nacionalista, e a esquerda que assim diz contribui com a mentira do imperialismo norte-americano sobre a história do Brasil. O regime militar foi um regime antinacional que se passava por nacionalista somente para ter apoio e controle das bases do Exército Brasileiro – e foi nesse momento da história que o Alto Escalão do Exército intensificava a lavagem ideológica nos soldados do Exército para que não existissem mais revoltas e levantes contra o imperialismo; alem disso, muitos oficiais progressistas e verdadeiramente nacionalistas e patrióticos foram expulsos do Exército para diminuir a influência do verdadeiro nacionalismo brasileiro: o nacionalismo antiimperialista, revolucionário.

Em síntese, o regime militar de 64 foi traidor, foi antinacional, vendeu a pátria e por isso não pode o caracterizar como nacionalista. Levantaram a falsa bandeira do nacionalismo para se passar por “patriotas preocupados com a pátria”, quando eles foram o contrário disso: venderam a pátria.
  
A resistência ao golpe e a bandeira do nacionalismo

Mesmo após o regime militar de 1964 terem se apropriar do termo “nacionalismo” enquanto vendia a pátria brasileira para os Estados Unidos, os movimentos de resistência armada ao golpe militar continuavam a levantar a bandeira antiimperialista com pautas nacionalistas. Entre as organizações que levantavam a bandeira do nacionalismo revolucionário contra a dominação do capital estrangeiro, estavam o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR – formado majoritariamente por militares verdadeiramente nacionalistas e patriotas), o Comando de Libertação Nacional (COLINA), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), a Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), a Ação Libertadora Nacional (ALN), entre outras.

Essas organizações, não só utilizavam as mesmas pautas antiimperialistas e nacionalistas que reivindicavam os movimentos nacionalistas e revolucionários de 1930, mas, como a elevavam a um grau superior e extremamente ousado, de grande visão política: utilizavam o verdadeiro nacionalismo brasileiro, que é revolucionário, para combater ideologicamente o falso e vazio termo “nacionalismo” que utilizava o governo antinacional de 64. Foi uma forma muito inteligente por qual tais organizações bateram ideologicamente no regime militar, expuseram a verdadeira face vende-pátria do regime de 64 para os segmentos patrióticos e nacionalistas da sociedade brasileira – e não à toa, nas guerrilhas pelo Brasil estavam repletas de militares do lado revolucionário (vide Carlos Lamarca, capitão do Exército que se tornou símbolo e comandante da luta contra a ditadura). Isso indica e evidencia a capacidade que teve o patriotismo e o nacionalismo para mover a sociedade brasileira, de forma revolucionária e numa visão antiimperialista, contra inimigos antinacionais que se passava por nacionalistas.

O papel do nacionalismo brasileiro atualmente

Fica claro que, ao analisar a história do Brasil e dos movimentos da esquerda, que o nacionalismo no Brasil é de caráter antiimperialista e revolucionário, que é antagônico e marcha contra a dominação imperialista norte-americana no Brasil, portanto, vai contra o nacionalismo burguês. Partindo disso, a esquerda brasileira verdadeiramente revolucionária, assim como os setores progressistas da sociedade brasileira, não deve cair na armadilha historicamente preparada que é negar todo e qualquer caráter antiimperialista do patriotismo e nacionalismo brasileiro – negar a este segmento político um espaço na revolução brasileira é cair na armadilha preparada em 64 pelo Alto Escalão fascista do Exército Brasileiro e pelos imperialistas norte-americanos. A esquerda revolucionária brasileira deve abraçar em seu programa de revolução o nacionalismo brasileiro sim, pois foi historicamente dirigido pelos comunistas e pelos patriotas antiimperialistas; deve-se tomar de volta esse termo “nacionalismo”, uma bandeira histórica da esquerda que foi tomada pelo fascismo de 1964!


Esse mesmo golpe fascista de 64 se apoderou de duas palavras que na época eram as palavras mais ditas pelos esquerdistas, revolucionários e comunistas, a seguir: revolução e nacionalismo. É compreensível a repulsa de setores da esquerda devido a essa apropriação pelos militares fascistas – fascistas que se apoiaram no termo "nacionalismo" para golpear o povo brasileiro, estabelecer um governo antinacional, reprimir os movimentos sociais e entregar nosso país às mãos do capital estrangeiro. Mas, se a esquerda revolucionária não aceitou abrir mão do termo "revolução" por causa disso, e ao contrário, mostrou como o golpe nada teve de "revolução", então porque aceitar abrir mão do termo nacionalismo, que foi historicamente revolucionário e progressista no Brasil? Ao contrário, devemos igualmente mostrar ao povo brasileiro que a direita nunca esteve interessada em defender nossa pátria do imperialismo e por isso nada tem de nacionalista; e mostrar que o golpe de 64 longe de ser nacionalista, foi na verdade uma traição nacional – logo, antagônico ao nacionalismo. E partindo desta linha, e reconhecendo que o patriotismo e nacionalismo foram pautas históricas da esquerda e da revolução brasileira é que devemos defender sim as raízes históricas das lutas do povo brasileiro; devemos defender, em todos os setores progressistas da sociedade brasileira, e com convicção e certeza, que o nacionalismo brasileiro é revolucionário! Mostrar que a esquerda está sim preocupada com a nação e com a pátria, em seus interesses nacionais e contra qualquer mão estrangeira imperialista que queira nos dominar – pois isso é o nacionalismo brasileiro. Somos, hoje, verdadeiros continuadores da luta nacional e patriótica iniciada em 1920 pelos levantes tenentistas, levada a diante pela ANL em 1930, seguindo em frente pelas reformas de base de João Goulart em 1964 e ainda firme durante as lutas patrióticas contra a ditadura militar e a dominação norte-americana no Brasil. Os golpistas fascistas de 1964 e a direita fascista não conseguirão se apropriar indevidamente da bandeira patriótica e das cores que foram levantadas pelas lutas históricas do povo brasileiro; muito menos conseguirão se apoderar das pautas nacionalistas que, no Brasil, historicamente foram revolucionárias e contra o nacionalismo burguês, contra a dominação dos ianques. E assim devem seguir.



Foto de protesto contra o fascismo, contra o golpe e ditadura militar-fascista e contra a dominação imperialista no Brasil.

- Victor Bellizia